quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Carta: "Perdeu algo recentemente?"

"Cartas Perdidas", Nº 41


Blumenau/SC, 14 de março de 2002

"Boa noite, ou talvez bom dia. Não sei quando ou como você encontrará estas palavras, mas o que importa é que eu tente descrever o que sinto.

Escrevi estas linhas instantes após ter te visto. Dessa vez, você estava radiante, com um sorriso que parecia iluminar o universo. Isso torna ainda mais agoniante esconder o que sinto — é como tentar tampar o sol com uma peneira.

Não foi por acaso que inventei uma desculpa tão frágil para ir até a sua casa. O pretexto era devolver um documento — uma tarefa trivial e sem importância.

Você deve ter deixado o documento cair perto do meu trabalho. Mas o destino, com sua ironia cruel, não só me fez cruzar seu caminho como também me fez segurar algo que você havia perdido.

Você realmente acredita que fui lá apenas para entregar seu documento? Sério?

Ao te ver, senti como se eu me desfizesse em paixão. Foi quase impossível conter meus sentimentos, mas ao mesmo tempo, me senti leve, como uma pluma ao vento.

E quando perguntei: "Você por acaso perdeu algo recentemente?", o que eu realmente queria dizer era muito mais profundo, muito mais intenso do que essas palavras podem revelar.

No final, o que resta é a dura realidade de que essas palavras podem nunca alcançar você. O que sinto pode ser apenas um impulso passageiro, perdido no fluxo do tempo. E eu, no fim das contas, acabarei me dissipando também, como algo que o tempo não consegue manter. Se isso for o custo, então que assim seja. A verdade é que, no fundo, temo que a realidade acabará por apagar até as lembranças do que poderia ter sido."

"No final, o que sentimos pode se perder e ser esquecido com o tempo."



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Carta: "A Vida de Uma Só Noite"

"Cartas Perdidas", Nº 40


Cianorte/PR, 10 de Setembro de 2003

"Quando te vi, já soube. Já sabia, era como se lhe conhecesse, como se fôssemos íntimos, do zero até meus trinta e alguns anos.

Ante a isso, voltemos algumas horas, ou dias, não sei ao certo, mas fácil sei que não foi. Procurar você, achar você, TER você. Não foi. Nunca tive de fato.

Talvez porque, no fundo, eu soubesse que você nunca seria, que éramos destinados a nos cruzar, a nos reconhecer, mas não a nos possuir. Esse sentimento de familiaridade, de pertencimento, era um reflexo do que poderia ter sido, uma vida paralela onde nossos caminhos se entrelaçaram desde o começo, mas que, nesta realidade, se limitou a um encontro tardio, cheio de anseios e frustrações.

Eu queria acreditar que bastava querer, bastava lutar, que o destino seria apenas uma questão de persistência. Mas o tempo, cruel como é, não espera por sonhos irrealizáveis. Ele segue seu curso, indiferente às nossas vontades, deixando-nos apenas com o eco do que poderia ter sido. E nesse eco, nessa distância entre o que sonhei e o que vivi, fica a amarga constatação: NUNCA tive você, e talvez seja melhor assim!

Porque, de alguma forma, você permanece idilicamente perfeita em minha mente, intocada pela realidade. Uma lembrança de algo puro e intangível, que a vida real jamais poderia corroer. 

No fundo, talvez eu sempre soubesse que o nosso "nós" estava destinado a ser assim, um eterno "quase", uma melancólica lembrança do que nunca foi.

E assim, sigo, na ilusão confortável de que, em algum lugar, em algum tempo, ainda SOMOS!"



Destinados a se encontrar, mas jamais a pertencer um ao outro.








quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Eu Me Apaixonei Pelo Brilho da Morte

"Poesias e Devaneios", Nº 120

Com duros golpes de marreta
Abri a caixa de Pandora,
E o brilho que ali se agita
Fez da curiosidade, senhora.

Tão belo pó, azul cintilante,
Como o belo céu em plena aurora,
O que parecia encanto radiante
Morte certeira que a todos devora!

Tocando mão nua, perigo sem saber,
A cidade dormia, lívida desprevenida,
Enquanto o veneno a se esconder
Corria nas veias, a vida perdida.

O pó virou praga, sem face, sem voz,
Levou consigo sorrisos e sonho,
No silêncio pesado, restamos sós,
Num lamento que até hoje componho.

Goiânia, marcada pela dor e agonia,
Com o pó que brilhou em seu seio,
A esperança murchou em um dia,
E no brilho azul, o derradeiro enleio.

Como a mariposa que busca a luz,
Mas o que pensei ser um golpe de sorte,
Foi o abraço frio que tudo seduz
Eu me apaixonei pelo brilho da morte!


"Eu Me Apaixonei Pelo Brilho da Morte" foi uma frase dita por Devair Alves Ferreira,
uma das vítimas do Acidente Radiológico de Goiânia, 
amplamente
c
onhecido como "acidente com o césio-137", ocorrido em 1987.









sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Suco de sofisma , Mel demagogia

"Poesias e Devaneios", Nº 119

Suco de sofisma,
Mel, demagogia.
Paz, sangra guerra,
Falso amor, só verte a dor!

Sorriso, disfarce frio,
Olhar, escuridão,
Abraços, me desvio,
A mente, contradição.

Toque é macio,
Mas fere como espinho,
Amor, doce vazio
Se perde em teu caminho

Abraço, suave laço,
Que aos poucos me desfaz,
Ilusão, sigo o traço,
De um amor que já não traz.

Suco de sofisma,
Mel, demagogia.
Paz, sangra guerra,
Falso amor, só verte a dor!


"Tu que viestes de longe, enfrentastes muitas batalhas, que derramaste
teu sangue por essas terras, numa terra imaginária ou real.
Tu que roubaste meu olhar de uma vez por todas."




domingo, 4 de agosto de 2024

Arrepende!

"Poesias e Devaneios", Nº 118

Arrepende!
E chora
Senta
Demora
Pensa
Enrola
Sofre
Esnoba

Arrepende!
E não liga
Aprende
E nega
Esquece
Tripudia
Duvida
Desengana

Arrepende!
E ausenta
Caminha
Corre
Para
Senta
Olha
Nega

Arrepende!
E sofre
Justifica
Argumenta
Responde
Não fala
Fala
Talvez fala
Emudece...


A flecha do tempo segue num só sentido...