Série "Contos", Nº 3
Eu caí de paraquedas aqui?
Eu estou preso em mim mesmo, 14 anos mais jovem, presumo. Mas, estou confuso.
Olha... Tinha certeza que
era apenas minha consciência, a essência de mim, que havia, de uma forma ainda
não compreendida por mim, se transferido daquela forma. Uma pessoa adulta presa
no corpo de um jovem pré-púbere.
Eu simplesmente me assumi em
um mundo que já não era mais meu há muito tempo, tendo que repentinamente conviver
com coisas que não tinha mais nenhuma paciência. Mas eu simplesmente tinha que
aceitar.
A verdade é que não faziam nem
5 minutos, de certo. Muito confuso. A porcaria do colégio, porque exatamente a
porcaria do colégio? Nem lembro direito se eu realmente gostava ou não, mas eu
presumo, que nos conhecimentos atuais um colégio para um jovem de 14 anos
deveria sim ser uma porcaria de fato.
Provavelmente não era
horário letivo, talvez o intervalo... Talvez, talvez, mas na prática,
exatamente...
Eu estou muito, muito
confuso. Eu, eu... eu nem sei como eu vim parar aqui? É como se eu tivesse
vivido uma vida de 28 anos, com tudo que tem direito a vida nada simples de um
adulto comum, e estou aqui no corpo de mim mesmo, 14 anos de idade? Será mesmo
que eu “vim parar aqui” ou na verdade eu REALMENTE tenho 14 anos e estou
sofrendo de algum raro distúrbio que me condiciona uma mentalidade de um homem
de 28 anos, sem contudo aferir lembranças reais?
Mas que grande porcaria
hein? Melhor me sentar aqui no banco...
Pensar, pensar, pensar... se
eu tenho, ou tinha, ou terei, foda-se... 28 anos, qual minha profissão? Quais
minhas ideologias, meus sonhos? Quais meus ódios? Onde eu moro, que carro eu
tenho? Eu sou pai? Minha esposa é bonita... minha esposa!!!... nossa de repente
parece que algo me tocou, sentindo uma pontada, de repente me vem um pouquinho
de lembrança... cheiros, um cheiro bom de cabelo feminino... eu com 14 anos não
devo conhecer o cheiro de cabelo feminino, né? Então, na pratica, se as
lembranças não forem fruto desse possível surto, essas lembranças não pertencem
a hoje, agora, exatamente, no ano de... que ano é mesmo?
Melhor ir ali correndo na
diretoria da escola tentar achar um calendário, eu lembro onde fica? LEMBRO!
Deu um estalo aqui agora na minha mente, eu sei onde estou! De repente me vem
uma lembrança, mas não vívida, simplesmente uma lembrança longínqua de quando
eu estudava no Colégio Objetivo São Marcos, uma lembrança de mais de década, eu
tenho um mapa mental perfeito dessa escola, e eu estou fisicamente nele nesse
exato momento! As coisas são bizarras! Muito!
De repente minha mente
começou a ficar um pouco menos nublada, porque fui caminhando pra diretoria pra
tentar ver um calendário, me situar, não queria de jeito nenhum conversar com
ninguém, e de fato ninguém ainda tinha vindo falar comigo (eu meio que lembro
que não era lá muito popular, de fato, então meus temores vão se
concretizando), mas simplesmente estava tudo errado naquele ambiente, não vi UM
smartphone, ninguém com a cabeça enfiada nos malditos smartphones como eu sei
que são os jovens (e até adultos), onde estão os smartphones? Realmente, tá
tudo errado!
Melhor ir rápido pra
secretaria! Rápido, muito rápido... O chão, o chão, o chão tá vindo ao meu
encontro, rápido demais, MERDA!
Que puta tropeço! Sorte que
não tem ninguém por perto, acho que estou no saguão principal, mas espera aí...
alguém, um rosto amigo. Porra,é o Lucas! Como ele tá novo, parece criança! Ai!
Que dor no cotovelo!
_Mas
que tombo, hein? ‘Cê tá bem, cara?
_Ah
sim, obrigado, me ajuda aqui a levantar.
_’Cê
tá esquisito, muito esquisito, qual o teu problema, viado?
_Ham?...
Ah nada não, nada.
Bati o olho do lado, um
calendário, e ele parecia um objeto de uso diário e não um item de antiquário
ou museu, mas não conseguia entrar na minha mente nem a pau, o desenho era uma
ilustração de praia, em letras garrafais, dava pra ler perfeitamente: SETEMBRO,
2001, acho que dia 29... Puta que pariu!
Mas acho que o Lucas tá
olhando pra algo que caiu do meu bolso, acho que é isso, ele foi ali pegar...
_Acho
que esse trem é teu, parece um papel dobrado...
ERA UMA FOTOGRAFIA!
Um objeto que simplesmente
não deveria estar aqui, agora comigo... Mas porque estava? Não fiquei pensando
muito como estava, mas quando peguei da mão do Lucas e desdobrei a foto, pude
ver, era ELA.
A
foto! eu a memorizei, cada linha, cada centímetro do teu rosto, do teu sorriso,
a expressão dela, tudo. Quase posso ouvir a voz dela. Está tudo na minha mente,
guardado onde ninguém pode tirar ou destruir...
Fiquei um bom tempo, acho
que talvez 30 segundos, ou foram 5 minutos? Olhando? Simplesmente não pude
conter comecei a chorar quieto, essa foto havia sido destruída, e por que simplesmente
surge nessa circunstância, ela não deveria estar aqui! É totalmente
anacrônico...
_Cara,
o que foi? Quem é essa mulher? O que você tem?
_Olha...
nada
Cada linha, cada centímetro,
exatamente como ficou gravado à fogo na minha mente, uma linda menina, nos seus
19 ou 20 anos, olhos cor de mel penetrantes, cabelos escuros, um sorriso
cativante... uma data, anacrônica, 04/02/2014, a data que a foto foi tomada,
mas essa data na ocasião de agora seria considerada uma montagem grosseira,
como o Lucas já observou.
_Essa
data está errada, apesar de quem é uma mulher muito linda. Quem é? É tua mãe
quando era jovem?
_Não,
essa foto na verdade eu havia perdido, ou pelo menos achei que tinha sido
perdida pra sempre, é a lembrança que tenho de alguém, o único alguém de fato.
_Não
entendi nada, por que você está falando desse jeito? Está louco?
Com
certeza era difícil mesmo pra um jovem mancebo de 14 anos compreender uma fala
com certa carga de analogia, mas não me importei.
_Lucas,
entenda, você é meu melhor amigo, você é e será durante os próximos quatorze
anos, pelo menos, entenda que eu perdi essa foto, agora eu encontrei, só isso
já valeu a pena, e outra coisa, essa menina linda, ela nasceu em 27 de setembro de 1996, então ela existe, ela é REAL, está aqui. Achei que esse mundo era
irreal, coisa de algum distúrbio da minha mente, mas não, ela é real,
felizmente tudo pode ser diferente.
_Cacete,
você fumou orégano? Tá doidão? Só não entendi uma coisa, ‘cê tá me dizendo que
essa mulher aí tem cinco anos de idade, de acordo com a data de nascimento dela
aí na tua cabecinha, não é mesmo?
_Sim,
essa foto é uma Ucronia!
_Uma
o que? Ah, vai se foder, vamos embora pra sala logo, vai tocar o sinal!
_Vamos,
vamos, sim.
Vamos indo pra sala, vamos e
eu não ligo, eu não a perdi. Nunca vou a perder, eu sei tudo que vai acontecer, e tudo pode ser diferente a partir de HOJE.
"Quase posso ouvir a voz dela. Está tudo na minha mente, guardado onde ninguém pode tirar ou destruir..."