segunda-feira, 17 de março de 2025

O impacto da ausência

"Reflexões Pessoais", Nº 41

A ausência carrega um peso silencioso, um vazio que se instala onde antes havia presença. Não importa quanto tempo passe, há marcas que nunca se apagam, lacunas que nunca se preenchem. Quando alguém que um dia foi importante se ausenta, seja pela distância, pelo esquecimento ou pela fatalidade, a vida parece reorganizar-se em torno desse buraco, mas nunca de fato o preenche.

No início, sentimos a falta como um espinho fincado na pele, uma dor aguda e constante que nos lembra, a cada momento, do que se foi. Com o tempo, o espinho parece se tornar parte de nós, atenuando a dor aparente, mas permanecendo ali, silencioso, sempre pronto a se fazer sentir ao menor toque. Certos lugares, certas músicas, certos cheiros nos transportam para o passado e, por um instante, somos invadidos por aquilo que foi, pelo eco de risadas, por conversas que não mais existem.

Mas há uma ausência ainda mais profunda, mais devastadora: a de si mesmo.

Pouco a pouco, podemos nos perder, como quem caminha sem perceber que está deixando pedaços de si pelo caminho. Cada decepção, cada renúncia, cada silenciamento nos distancia um pouco mais daquilo que já fomos, até que, ao nos olharmos no espelho, mal reconhecemos quem nos encara de volta. A voz que um dia falava com convicção torna-se um sussurro hesitante, e os sonhos que ardiam no peito transformam-se em cinzas de desejos esquecidos.

Perder-se de si mesmo é um processo lento e silencioso, tão imperceptível quanto uma vela se apagando ao longo da noite. No início, são apenas pequenas concessões, pequenos esquecimentos de quem somos. Depois, são escolhas que não nos representam, caminhos que não reconhecemos. Até que, um dia, percebemos que nos tornamos um eco, uma sombra pálida daquilo que um dia fomos.

Talvez a maior luta seja essa: resgatar-se antes que seja tarde. Antes que a própria essência se dissolva na rotina, nos compromissos, nas cobranças. Antes que a ausência de si se torne definitiva. Pois, no fim, não há vazio maior do que olhar para dentro e não encontrar mais nada.

Então, um dia olhamos no espelho e não nos reconhecemos mais. O brilho no olhar se apagou, os sonhos perderam o sentido, os dias se tornaram uma sequência repetitiva de obrigações sem propósito. Não somos mais quem éramos. Restam apenas fragmentos espalhados, pedaços desconexos de uma identidade que se esfarelou ao longo dos anos. O que antes era um ser completo agora é um reflexo distorcido, uma sombra que vaga sem rumo, um eco fraco daquilo que um dia fomos.

Mas será que a ausência realmente existe? Se tudo o que somos, tudo o que vivemos, deixa marcas invisíveis no tempo, então nada jamais se perde por completo. O universo nasceu do vácuo, do aparente nada que, em sua essência, continha todas as possibilidades. O silêncio carrega ecos do que já foi dito, a escuridão guarda vestígios de cada luz que já brilhou, e até mesmo o vazio está repleto de memórias que continuam a reverberar. Assim, a ausência não é um fim, mas uma transição, uma metamorfose da presença em algo que persiste além da forma, além do toque, além do olhar.

Se o universo veio do vácuo e continua em expansão, então não há lacunas definitivas. Da mesma maneira, aquilo que pensamos ter perdido permanece em nós de formas sutis, seja nas lembranças que nos moldam, nas cicatrizes que nos definem, ou nos instantes em que, sem perceber, repetimos gestos, palavras e sentimentos daqueles que partiram. Não somos feitos de ausências, mas de transformações. E, talvez, a maior revelação seja essa: ninguém se perde para sempre, nada some por completo. O que fomos, o que amamos, o que nos tocou... tudo continua existindo, ainda que de uma maneira diferente.

 


"Não existe nada alem de si, pois isso que se tornou: NADA"



2 comentários:

  1. O querer esquecer que não se cumpre;
    O vazio que não é preenchido.
    O que se fazer quando se quer relembrar, quando deveria ser esquecido?O que se fazer quando um momento,um gesto, uma palavra,ou uma imagem deveriam ser esquecidos no abismo do tempo?Mas tudo que se faça se torna inútil , quando as lembranças insistem em ficar.
    O orgulho ainda que forçado, consegue deter as ações de uma vontade de correr atrás do fruto da saudade. Só restam as doces memórias,algo que ficará eternizado no tempo. As memórias que trazem a saudade,o sorriso espontâneo no rosto,a lágrima que cai involuntariamente,a qual não se pode conter quando sentimos a falta de algo que por um pequeno infinito fez tão bem.
    O tempo trás a conformidade,mas não trás o esquecimento.
    Tudo ainda continua vivo e pulsante como no início .
    Meu Deus...
    Por quê aquilo que deveria ser esquecido insiste em continuar aqui?
    É algo que dilacera por dentro,mas ao mesmo tempo trás uma gota de esperança.
    A maturidade trás o auto controle,mas ainda sim, não muda o que está gritando por dentro.Aquela vontade de ir até o fim do mundo atrás daquilo que nos trás saudade,que nos faz falta,das lembranças;como se fosse ser tudo igual a antes.
    Á cada dia,a frieza se torna cada vez mais presente no nosso ser, porque nada mais é capaz de nos abalar, quando perdemos o que tínhamos de mais valioso.
    Tudo se torna sem sentido, seguimos apenas o ciclo da vida, vivendo por viver, vivendo um dia de cada vez,tendo a ilusão de que tudo está bem,que não falta nada e nem ninguém. É um jeito de amenizar a falta que nos dilacera por dentro.
    Aquilo que é verdadeiro, talvez de fato, não se pode esquecer,mas só resta se conformar quando não se pode ter.



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  2. Definitivamente, aquilo que pensamos ter perdido, permanece em nós. Infelizmente não muitas vezes sutil, como você disse. Mas de forma avassaladora, onde nos tira o chão, o rumo, a vontade de viver e até de sobreviver.
    Somos o que vamos nos moldando e refazendo ao longo da vida. Quanto mais tempo passa, mais modificados seremos. Mas a essência continua. E essa essência, quando demonstrada e/ou identificada, liga almas por reconhecimento. E mesmo que estejamos contra essa aceitação, no fundo desejamos aquilo, de maneira eloquente e voraz. Nosso ser supremo, nosso EU, se identifica com o outro EU, único no universo, e isso tempo algum jamais apaga ou reduz.

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