segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Recitação de Ecos Inaudíveis

"Cartas Perdidas", Nº 46

Araruna/PR, 11 de Agosto de 1999

Embora tenha tentado eventualmente, não mais tentarei te chamar de "querida", mas dói muito ainda. Muito!

A gente tentou, mas eu fui o vazio que elegeu para gritar por outra voz. Um eco amortecido, um corpo presente apenas como moldura do que faltava. Fala inócua — não comigo, mas através de mim. Eu era a parede onde ricocheteavam os lamentos por um nome alheio, inaudível. 

A gente no final virou "eu" e só EU tentei no final, e só tentei, pois doeu demais, e depois doeu só um pouquinho.

O choro não veio. Ou talvez tenha vindo, seco, disfarçado em uma respiração arrastada, um soluço amputado, um choro bem falso. Tudo me parece falso — farisaico, encenado, como se até a dor tivesse aprendido a mentir. Nada tem gosto. Ou melhor: tudo tem gosto de chuva acumulada, estagnada no fundo de algum recipiente esquecido — fria, suja, sem sede que a aceite. Insalubre, muito!

Se alimentava da própria saudade enquanto me mastigava sem notar. Vomitava lembranças de outro no prato raso da minha escuta. Eu era o silêncio onde ela regurgitava a ausência que a consumia. E eu, podre de mim, aceitava — como quem, de tanto ser descartado, aprende a se ofertar.

A presença dessa saudade nunca me tocou de verdade. Era um vulto que sorria com os olhos voltados para outro passado. Eu a ouvia com a resignação dos cadáveres. Ela se despia em palavras que sangravam nomes estranhos, enquanto eu apodrecia devagar — por dentro, mas por fora era tão vivo como viço verde, verde em folha e mato.

Não foi a ausência que me dilacerou. Foi a farsa. A presença montada, a ternura ensaiada, o afeto com prazo e destinatário vencido.

Fui palco de uma falsa saudade, que não me incluía. Fui luto emprestado. Um corpo fora de foco.

Essa carta não é adeus. É exumação. E no meio de tantos sepulcros errados, e sepulturas erráticas, ao menos acertei dessa vez, ainda que tardiamente.

Um lembrete pútrido de que jamais foi certo ou errado. Jamais aceito, apenas suportado.

Apenas suportado. Apenas nunca aceito. 

Mas acertei, ainda que tardiamente.



"...ainda que tardiamente."