sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Tenacidade

"Poesias e Devaneios", Nº 150

Existe em nós…
Uma força vital, positiva!
Que nos retém,
Que nos dá sustento,
Nos ajuda a suportar a vida…

Mesmo quando o peso aperta,
Mesmo quando tudo parece escorregar,
Ela permanece, silenciosa,
Como brasa que não se apaga,
Como raiz que segura a árvore na tempestade.

Ela não promete facilidade,
Não nos poupa da dor,
Mas nos mantém aqui, respirando,
Entre quedas e tropeços,
Entre medos e esperanças.

E mesmo que às vezes resvale de nós,
Ainda existe, esperando o toque suave de nossas mãos
Para reacender o calor que nos sustenta.
Existe em nós…

Existe!



Não seja demasiadamente ímpio e não seja tolo;
por que morrer antes do tempo?

Eclesiastes 7:17

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Fantasma

"Poesias e Devaneios", Nº 149

Cada rangido no assoalho, uma saudade que não sabe morrer,
Cada sombra que se arrasta, um pedaço de alguém que ficou.

Ali habita o que não partiu por completo —
não um espírito de terror,
mas de ternura, de espera, de um abraço nunca mais dado.

Não quer assustar.
Quer lembrar.
Lembrar o cheiro de madeira molhada depois da chuva,
o som de gargalhadas no andar de cima,
o calor de mãos entrelaçadas no fim de uma tarde.

Quando a presença chegou,
com passos leves e olhos que enxergam além do véu,
trouxe algo que nem a eternidade pôde apagar:
a sensação de pertencer.

Não limpou apenas os cantos empoeirados.
Iluminou memórias.
Fez o que ali estava sentir-se menos vento, mais humano.
Menos ausência, mais alguém.

E por um instante encantado — o tempo curvou-se.
Foi carne, foi riso, foi toque.
Foi suspiro, foi coragem, foi espanto.
E dançaram.

A música veio do nada e de tudo,
e no giro lento daquela valsa esquecida,
foi só felicidade.
Pela última vez.

Porque quando a luz chegou,
tudo voltou a ser o que sempre foi:
lembrança.

Mas agora havia quem se lembrasse.
E isso — isso era o suficiente.

O SUFICIENTE!

Adeus.


"Eu implorei e implorei para meu pai me dar este trenó, mas ele agiu como se eu nem 
pudesse tê-lo, porque eu não sabia andar nele. Mas então, uma manhã, desci para tomar café 
da manhã e lá estava ele, só para mim, sem motivo algum. Peguei-o e fiquei andando de trenó
 o dia todo. E meu pai disse: "Chega". Mas eu não conseguia parar, estava me divertindo muito.
 Ficou tarde, escureceu, ficou frio... e eu fiquei doente, e meu pai ficou triste."







Sobre o Ontem

"Poesias e Devaneios", Nº 148

Antes, vivíamos o dia
em nome dele mesmo, inteiro,
sem pressa pelo amanhã,
com o tempo por companheiro.

Esses dias já existiram,
e ainda vivem, escondidos,
em cantos que o tempo esquece,
nos vãos do céu mais perdido.

Todos veem só o que mostras,
tua forma, tua aparência,
mas poucos tocam a essência
que habita tua consciência.

Há quem entenda sozinho,
com lucidez verdadeira;
outros só seguem o rastro
de uma mente passageira.

E há os que nada percebem,
nem por si, nem por reflexo —
tateiam o mundo em vão,
sem rumo, sem nexo, sem nexo.

Antes, vivíamos o dia
em nome dele mesmo, inteiro,
sem pressa pelo amanhã,
com o tempo por companheiro.

Antes, vivíamos o DIA!


"Absolutamente o centro invisível 
de todos os atos e de todos os fatos!"




segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Recitação de Ecos Inaudíveis

"Cartas Perdidas", Nº 46

Araruna/PR, 11 de Agosto de 1999

Embora tenha tentado eventualmente, não mais tentarei te chamar de "querida", mas dói muito ainda. Muito!

A gente tentou, mas eu fui o vazio que elegeu para gritar por outra voz. Um eco amortecido, um corpo presente apenas como moldura do que faltava. Fala inócua — não comigo, mas através de mim. Eu era a parede onde ricocheteavam os lamentos por um nome alheio, inaudível. 

A gente no final virou "eu" e só EU tentei no final, e só tentei, pois doeu demais, e depois doeu só um pouquinho.

O choro não veio. Ou talvez tenha vindo, seco, disfarçado em uma respiração arrastada, um soluço amputado, um choro bem falso. Tudo me parece falso — farisaico, encenado, como se até a dor tivesse aprendido a mentir. Nada tem gosto. Ou melhor: tudo tem gosto de chuva acumulada, estagnada no fundo de algum recipiente esquecido — fria, suja, sem sede que a aceite. Insalubre, muito!

Se alimentava da própria saudade enquanto me mastigava sem notar. Vomitava lembranças de outro no prato raso da minha escuta. Eu era o silêncio onde ela regurgitava a ausência que a consumia. E eu, podre de mim, aceitava — como quem, de tanto ser descartado, aprende a se ofertar.

A presença dessa saudade nunca me tocou de verdade. Era um vulto que sorria com os olhos voltados para outro passado. Eu a ouvia com a resignação dos cadáveres. Ela se despia em palavras que sangravam nomes estranhos, enquanto eu apodrecia devagar — por dentro, mas por fora era tão vivo como viço verde, verde em folha e mato.

Não foi a ausência que me dilacerou. Foi a farsa. A presença montada, a ternura ensaiada, o afeto com prazo e destinatário vencido.

Fui palco de uma falsa saudade, que não me incluía. Fui luto emprestado. Um corpo fora de foco.

Essa carta não é adeus. É exumação. E no meio de tantos sepulcros errados, e sepulturas erráticas, ao menos acertei dessa vez, ainda que tardiamente.

Um lembrete pútrido de que jamais foi certo ou errado. Jamais aceito, apenas suportado.

Apenas suportado. Apenas nunca aceito. 

Mas acertei, ainda que tardiamente.



"...ainda que tardiamente."