sábado, 17 de maio de 2025

O Preço da Sobriedade

"Reflexões Pessoais", Nº 42

Há um peso intrínseco na sobriedade. É sobre se manter sóbrio, não digo apenas sobre embriagar-se no vinho ou outra coisa mais forte, mas estar ébrio de sentimentos falsos, alegrias enganosas e amores farisaicos.

Estar sóbrio, nesse sentido, é recusar o torpor das ilusões confortáveis, é encarar de frente a dureza do real — mesmo que doa, mesmo que fira. É não se anestesiar com promessas vazias ou risos forçados, é preferir o silêncio verdadeiro ao barulho fingido. A sobriedade, então, passa a ser resistência: uma escolha consciente por lucidez em um mundo que embriaga com facilidades e disfarces.

Então, mesmo que na embriaguez de falsas felicidades inexistentes o ar pareça doce, é melhor respirar a névoa de caco de vidro, mas que ao menos é real, é factível!

E é muito salutar que eu esteja fora da zona de conforto. Até achei que era invencível, um dia achei, de forma leviana! Mas não sou, nunca fui invencível! Salutar também é ter o pensamento como um punhal espetando meu fígado á todo instante, lembrando o quanto eu fui humilhado! Mas é importante, que nunca cesse completamente o incômodo e a leve dor, para que o combustível se mantenha sempre dentro de mim, internalizado como uma caldeira, para que o aço dentro de minha alma seja forjado.

O problema é que esse aço, por mais forte que pareça, não aquece — apenas isola. Com o tempo, tudo em mim vai se tornando mais contido, mais cauteloso. Os sorrisos vêm com filtro, os abraços com medida, e os pensamentos já não se oferecem com tanta leveza. A sobriedade cobra caro: é o preço de enxergar demais, sentir demais e não se deixar levar por qualquer encantamento passageiro.

Recusar as ilusões tem um custo alto — especialmente quando o mundo inteiro parece prosperar dentro delas. Eu fico, muitas vezes, à margem. As conversas se tornam rasas, os vínculos frágeis, e o convívio, por vezes, uma coreografia desconexa. Quando se vive sóbrio demais, o brilho que encanta os outros parece sempre ofuscante demais pra nós. E, inevitavelmente, nos tornamos o estranho na festa, aquele que não dança porque vê a música pelo que ela realmente é: um disfarce do silêncio.

Às vezes, me pego questionando se essa lucidez toda vale mesmo a pena. Se não teria sido melhor ter me permitido apenas flutuar com os outros, rir mais, crer mais. Mas logo percebo: o que me mantém firme hoje é justamente aquilo que me fez sofrer ontem. A dor que enfrentei sem anestesia também forjou a solidez que hoje sustenta meus dias, ainda que mais densos, ainda que mais solitários.

O preço da sobriedade é esse: ela nos livra das quedas e nos priva dos voos. Somos chão firme, mas raramente céu aberto. Ainda assim, há uma dignidade silenciosa nisso — uma espécie de paz dura, sem enfeites, mas que nunca mente. E talvez isso, no fim das contas, seja tudo o que me resta: uma existência honesta, mesmo que pesada. Muito pesada!



"Foge a razão perfeita a toda a extremidade,
E deve a gente ser sagaz com sobriedade."


Molière 


Um comentário:

  1. "Lembrei
    Que tô bloqueado
    É muita raiva misturada com tristeza
    Olha eu chorando e dando porrada na mesa
    Derrama, derrama, cerveja"...
    Um dia acaba, vai passar, eu tenho fé 🙏🏻

    ResponderExcluir